Nos últimos dez anos, os departamentos de emergência têm observado um aumento constante no número de pacientes que buscam atendimento devido a dores abdominais e episódios de vômito intenso ou prolongado. O que essas situações frequentemente têm em comum é o uso crônico de cannabis.
Até o mês passado, os clínicos não tinham uma maneira padronizada de registrar essa condição. Agora, eles dispõem de um código diagnóstico para a “síndrome de hipermese por cannabis”, um transtorno gastrointestinal que se inicia dentro de 24 horas após o último uso de cannabis e pode durar vários dias. As pessoas que a experimentam geralmente enfrentam esses sintomas três ou quatro vezes ao ano.
Novo Código ICD Ajuda Profissionais a Identificar a Hipermese por Cannabis
No dia 1º de outubro, a Organização Mundial da Saúde adicionou uma entrada formal para essa condição ao seu manual de Classificação Internacional de Doenças (CID-10, atualmente). Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA também incorporaram o novo código, R11.16, aos sistemas de diagnóstico do país.
Essa atualização traz vários benefícios. Os clínicos agora podem registrar a síndrome com um único código de faturamento específico, em vez de depender de vários códigos menos precisos. Ter o código no prontuário médico de um paciente também ajuda os profissionais a reconhecer episódios recorrentes em futuras consultas.
Um ganho significativo é a melhoria na confiabilidade dos dados. Pesquisadores como Beatriz Carlini agora conseguem rastrear os casos de maneira mais precisa e buscar padrões que anteriormente eram difíceis de identificar.
“Isso nos ajuda a contabilizar e monitorar esses casos”, disse Carlini, professora associada de pesquisa na Escola de Medicina da Universidade de Washington, que estuda os efeitos adversos do uso de cannabis. “Ao estudar a dependência e outras questões de saúde pública, temos três fontes de dados: o que os clínicos nos contam, o que as pessoas nas comunidades relatam e o que os registros de saúde informam. Um novo código para a síndrome de hipermese por cannabis fornecerá evidências concretas importantes sobre eventos adversos relacionados à cannabis, que os médicos nos dizem ser um problema crescente.”
Consciência Limitada Contribui para Diagnósticos Tardios
Embora os hospitais estejam recebendo mais pacientes com esses sintomas, muitos profissionais ainda não conhecem a condição, uma vez que ela foi definida recentemente.
“Uma pessoa frequentemente fará várias visitas ao [departamento de emergência] até que seja reconhecida corretamente, custando milhares de dólares a cada vez”, afirmou Carlini.
Mesmo após um diagnóstico preciso, alguns pacientes têm dificuldades em aceitar que a cannabis é a origem de sua náusea e vômito severos, disse o Dr. Chris Buresh, especialista em medicina de emergência da UW Medicine e do Seattle Children’s. A cannabis é amplamente reconhecida por aliviar a náusea em pessoas que estão passando por quimioterapia ou vivendo com condições crônicas como HIV e enxaquecas, o que contribui para a confusão.
“Algumas pessoas dizem que usaram cannabis sem problemas durante décadas. Ou fumam maconha porque pensam que isso trata sua náusea”, afirmou. “Parece que há um limite quando as pessoas podem se tornar vulneráveis a essa condição, e esse limite é diferente para cada um. Mesmo o uso em pequenas quantidades pode fazer com que essas pessoas comecem a vomitar.”
Causas Incertas e Tratamento Desafiador
Os motivos pelos quais a síndrome afeta alguns usuários de cannabis, mas não outros, ainda não estão claros.
“Não sabemos se isso está relacionado à maior disponibilidade geral de cannabis ou à maior potência de THC de alguns produtos ou a algo mais”, disse Buresh.
O tratamento da condição é complicado. Medicamentos padrão contra náusea frequentemente não funcionam de forma confiável, afirmou, o que às vezes força os clínicos a recorrer a opções de segunda e terceira linha, como Haldol, um medicamento comumente usado para episódios psicóticos.
Algumas pessoas encontram alívio limitado com creme de capsaicina, um analgésico vendido sem prescrição que cria uma sensação de calor. Segundo Buresh, alguns pacientes o aplicam no abdômen durante os episódios. Banhos quentes também são amplamente relatados como úteis.
“Isso é algo que pode confirmar o diagnóstico para mim, quando alguém diz que se sente melhor com um chuveiro quente. Pacientes descrevem que esgotaram toda a água quente de casa”, afirmou.
Por Que a Recuperação Pode Ser Difícil
Vários fatores podem retardar a recuperação. Como a síndrome aparece de forma intermitente, alguns usuários de cannabis podem supor que um episódio recente não estava relacionado e continuar usando a substância sem problemas imediatos, apenas para de repente ficar gravemente doentes novamente. Para aqueles que aceitam o diagnóstico e tentam parar de usar cannabis para aliviar os sintomas, a dependência pode dificultar a abstinência, disse Carlini.






